quarta-feira, 16 de novembro de 2011

VII

O que João não sabia era que o curso da vida tinha seguido também para os outros. Desde que fora preso, o mundo tinha mantido seu movimento, e cada vida girava de acordo com suas próprias notas. E cada uma das pessoas que tinha deixado para trás tinha seguido em frente na própria estrada. Eram quase dois anos desde a prisão, mais de três anos desde a entrada no ônibus naquele fim de tarde.
O que João não sabia era que Lindalva tinha morrido na cama de Danila cerca de um mês depois da prisão dos dois. O corpo fraco não tinha suportado a força dos acontecimentos, a revolta que sentia sucumbiu diante da dor de não poder ver o irmão. Nas poucas vezes em que tentou se levantar, caiu e a mente não se segurava mais em si. Tentou algum contato por telefone, mas, não se sabe por que, nunca conseguiu. Teve ainda alguma notícia de Danila, mas nunca uma notícia de João.
Não sabia também que Danila ainda estava presa, pois acabou sendo provado que ela tinha, sim, conhecimento do que se passava na loja, estava lá há muitos anos e não pôde deixar de saber; apaixonou-se pela inocência de João e sucumbiu na loucura quando foi obrigada a enfrentar a própria culpa. Estava agora interna em um manicômio judicial.
Que Méri tinha sonhado com ele por muitos meses, mas não quis visitá-lo, porque tinha medo de delegacias e porque não sabia se ele ia gostar de vê-la e nem sabia se ele tinha uma namorada que o visitaria, e ela ainda o queria, e não aguentaria não ser bem recebida. Mas também porque o tempo passou e seu coração acabou se abrindo outra vez, esquecido dos olhos de João, e então guardou as coisas todas dele numa caixa no alto do armário e realugou o quarto para uma conhecida.
Não sabia que Tonico havia procurado por ele e que mais de uma vez quase chegou a visitá-lo, mas que, em todas as vezes, desistiu. Sentiu no peito uma fraqueza que não pôde vencer. O menino que tinha os olhos mais luminosos que já tinha visto certamente se teria abrutalhado entre as grades. E Tonico nunca soube que os olhos de João nunca se alteraram.
E João também nunca soube que em sua cidade o vento soprou forte e as notícias chegaram retorcidas. Sem jamais uma comunicação direta, o que chegou por lá foi o fato da prisão. João da Dôra tinha sido preso, tinha virado bandido lá nas terras de São Paulo. Bandido perigoso que ninguém queria mais ver por perto. Os pais adoeceram de tristeza, os irmãos se aquietaram e começaram a esquecê-lo. A notícia da morte de Lindalva também chegou alterada pelo tempo e pela falta de linhas claras. Teria sido assassinada na rua por inimigos do irmão criminoso. A violência na cidade grande era uma guerra sem fim.
E Clarinha, João não sabia que Clarinha tinha enxugado as lágrimas e afundado a saudade no fundo do corpo e que tinha se casado com um homem forte que era policial e que tinha ódio por qualquer criminoso; que tinha tido um filho e que já carregava outro na barriga. Que seu marido a protegia de tudo e tinha jurado mantê-la segura, principalmente contra o antigo namorado.
E nem soube que Clarinha por dentro sentia sempre uma chama dizendo que algo estava escondido, que tinha restado alguma coisa sobre João que não tinham ficado sabendo, que a história toda não tinha sido contada. Compartilhava com o padre e a professora essa angústia e essa esperança que nunca puderam ver realizada.
E, naquela manhã, ninguém sabia que João vinha voltando no mesmo ônibus que o tinha levado, e que voltava para se salvar, ele que antes tinha partido para encontrar o mundo. Corroído por dentro, voltava para se perdoar.

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